quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

o libertino idiota

A altura chegou a meio do quinquagésimo ataque de pânico. Os comprimidos deixaram de fazer efeito. O álcool deixou de ser cura. A droga deixou de ser antídoto. Reencontrar o amor deixou de ser solução. Como era costume, vestia o fato e sentava-se na grande poltrona que se encontrava no fim da sala. Respirava fundo, batia o pé, olhava em redor, contava pausadamente até cinco, assobiava Mozart e tentava-se acalmar. O fato deixava-o estranhamente mais confortável. Á sua frente visionava uma vida de solidão imensa e de alegria fingida. Antes tinha a desculpa e o porto seguro da missão que decidira empenhar. Mas ele sabia que a missão estava terminada. O seu tempo tinha chegado. Levantou-se, abriu a janela e empoleirou-se. Esboçou um pequeno sorriso, sincero, entre lágrimas e perdido da doença. "Boa viagem" murmurou a si mesmo. Olhou em frente. Deixou-se de cair.
E acordou.
Esta curta história não podia começar nem acabar com um suicídio se se quer contar a mais pura das verdades. Se bem que, suicídio é sempre dramático e apelativo.
Começa como todas estas histórias costumam começar. Bem. Ele saltava de um lado e para o outro. O seu histerismo e espécie estranha de bipolaridade eram já conhecidos e reconhecidos. Tal como a sua estranha necessidade de mentir para divertir. Também se podia dizer que era conhecida nos quatro cantos do mundo a sua faceta apaixonada, enamorada e feliz. A vida sorria-lhe e dava-lhe com fartura, mas por algum motivo cansou-se e deu uma reviravolta. Podemos realmente censura-la? Quem quer uma vida de fartura, se se pode ter uma vida de caos que é muito mais interessante e toca muito mais nos corações. Não interessa contar o que se passou apenas isto: entre desastres e desastres, a vida levou o nosso personagem principal para um hospital. Foi forçado a habitar esse estranho e supostamente esterilizado mundo durante dois dias. E entre contactos com outros pacientes, uns loucos outros só fingidos, teve a mais banal das epifanias. Beber. De regresso a casa instalou-se no sofá. Seguiu-se um regime louco. Dormia duas horas por dia, deprimia as restantes, disfarçando-as com exercício e bebida que o deixava moderadamente alegre e indubitavelmente estúpido. Um mês se seguiu a este ritmo, chegando ao ponto de ninguém perceber se estava ressacado ou mesmo bêbedo. Durante a noite, ia a festas, desenvolvia frases tristes e supostamente atiradiças que lhe reservavam as mais ingenuas ou as que se encontravam num estado semelhante ou pior ao dele.
Foi ameaçado pela família e pelos amigos para cortar no álcool. Não podemos dizer que ele era alcoólico  mas a situação estava a tornar-se decadente. Ele acenou e concordou, mas duas semanas depois voltou ao mesmo ritmo. Sucumbiu uma vez mais.
Ele merecia censura. Tinha deixado de tentar seguir em frente e deliberadamente encontrava o caos. Sentia que precisava dele. Queria se sentir mal. Queria ser masoquista. Queria a dor psicológica. Queria ser um coitadinho. Afastou a família e afastou os amigos. Beber, beber, beber e beber.
Hoje diz-se que anda ai perdido pela noite, sem ninguém, como um condenado por si próprio, como merece, como um libertino simplesmente idiota.