sábado, 24 de março de 2012

três vestidos

Já tinham passado quatro anos desde a última vez que o velho homem tinha entrado naquele quarto, que fora em tempos passados destino de hóspedes passageiros, uma arrecadação de monos e que via agora o seu estatuto reduzido a divisão esquecida da casa. A própria porta estava perra e a maçaneta, feita de metal, enferrujada. Respirou fundo e entrou.
Caminhou com alguma lentidão e cuidado, entre tralha velha empilhada, que teria sido simplesmente atirada, coberta de pó e teias de aranha, em direcção a um velho armário, alto e castanho, com duas portas e três gavetas, trabalhado com grande cuidado, com figuras gravadas que retractavam cenas de caça e pesca. Uma prenda de casamento da sua tia-avó. Afastou um monte de livros perdidos e arranjou espaço na cama, que estava em frente ao armário. Sentou-se e mirou o móvel. O seu rosto era dominado pela infelicidade. Entre pensamentos e memórias que esvoaçaram pela sua mente, um sorriso aflorou os seus lábios seguido de imediato de uma torrente de lágrimas.
O sol, com a sua moleza e preguiça matinal, nascia muito pausadamente e longos mas tímidos raios solares entraram por uma pequena abertura da janela do quarto e tocaram-lhe o rosto. Passou com as mãos nos olhos e levantou-se. Uma vez mais respirou fundo e abriu as portas do armário.
Três vestidos. Três vestidos de cerimónia da mulher falecida. Um azul, um preto e outro branco. Qual escolher?
No seu bolso, o homem guardava uma moeda gasta e escura cujo valor era meramente sentimental. Fora a primeira moeda que recebeu das mãos do pai, depois de ser vítima de um truque tolo e inocente de magia. Tirou-a e sorriu. O truque tolo que o pai mais tarde lhe ensinou acabou por conquistar o amor da sua vida.
Escolheu o branco. Era o favorito da mulher.

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