terça-feira, 17 de abril de 2012

O outro lado

Escrito por Gonçalo Leal

Nós estamos do outro lado do amor, onde perdemos toda a chama que já não inflama de dentro. Aqui chegados, somos apenas o princípio de uma escuridão transmitida por abraços desprovidos de força. Tal como não te sinto, não me vês porque desapareci no espaço vazio do desejo esquecido. Voltarei a sentir-te minha no dia em que a este lado puder chamar a inocência redescoberta no final dos dias. Não morrerei sem regressar contigo ao lugar onde te devolva as intermináveis ilusões que se apagaram com a falta de oxigénio para gritar o que as veias distribuem pelo corpo todo. Ao contrário de hoje, temo que nesse momento já não queira partir para onde não me possas passar as mãos pelo rosto e sentir as lágrimas que provam a existência de algo maior do que a condição animalesca da sobrevivência. Será tarde demais. Talvez ainda consiga que leias nos meus lábios a palavra curta que expressa tudo o que em dentro de mim concedeste existência e que o tempo (ou a minha falta de coragem para ser homem) me impediu de te devolver. Não saberei como te levar comigo para o outro lado porque toda a luz te pertence e em mim apenas tenho o sopro do inverno que nada deixa aceso. Perdoa-me todos os dias que foste tu e tu sempre a reacender-te para mim e eu ignorei que podia haver um lado iluminado dentro do mundo que eu persisti em cobrir de nuvens escuras carregadas de falta de vontade de ser pouco mais do que nada. Será ao teu lado que sentirei a saudade de estar quando a minha imagem não for mais do que um passado que ficou para trás, desbotada pela humidade no fundo de uma gaveta. Regressa ao lado da vida enquanto ainda é tempo de a sentir completamente tua.

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